Anotações sobre as ideias do sociólogo Boaventura de Sousa Santos a respeito da necessidade de redescoberta do sindicalismo, expostas no livro “A Gramática do Tempo”, vol. 4, cap. 11 (Disciplina: Globalizações Alternativas e a Reinvenção da Emancipação Social; Doutorado em Globalizações e Cidadania, do Centro de Estudos Sociais/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal)

Professor Boaventura de Sousa Santos, com Hugo Studart, em momento de descontração em uma taverna em Coimbra, Portugal: gratidão ao grande mestre por ter me aceito como investigador do CES e como aluno-ouvinte de seu último curso antes de se aposentar
“A redescoberta democrática do trabalho e do sindicalismo”
A idéia central do capítulo é a de que a redescoberta democrática do trabalho é condição sine qua non da reconstrução da economia como forma de sociabilidade democratica. A premissa apresentada é a de que o trabalho está perdendo a importância como fator de produção, portanto, tornou-se problematica que o trabalho possa hoje sustentar a cidadania.
As soluções propostas são:
1) A redescoberta pela cidadania das potencialidades democráticas do trabalho.
2) A necessidade de reinvenção do sindicalismo.
TRABALHO E CIDADANIA
São quatro as propostas:
1) O trabalho deve ser democraticamente partilhado
2) Reconhecimento do poliformismo
3) Separação do trabalho produtivo da economia real
4) Redescoberda democrática do movimento sindical
I. Partilha democrática do trabalho
1 – Com o meio ambiente – Propõe um novo contrato social no qual o trabalho humano tem que saber partilhar a atividade criadora do mundo com o trabalho da natureza. Por um trabalho mais integrado ao meio ambiente.
2 – Partilha do trabalho humano – Lembra que a revolução tecnológica está criando riquezas sem criar empregos. E propõe a redistribuição a nivel global do esquedo de trabalho disponível. Para isso, seria preciso três iniciativas.
a) Redução da carga horária laboral
b) Fixação dos direitos laborais mínimos – cláusula a ser fixada nos acordos internacionais de comércio. Essa idéia enfrenta a oposição dos países emergentes, que a acusam de protecionismo.
Para evitar que a fixação dos direitos se torne protecionismo, propõe:
Redução da carga horária de trabalho, como já falado
- Flexibilização das leis de imigração, ou seja, a desnacionalização da cidadania, que por sinal já está em curso. Os imigrantes vivem em situação de apartheid social. A flexibilização proporcionaria uma partilha mais equitativa do trabalho em nivel mundial.
II. Reconhecimento do poliformismo
A atual realidade é a da proliferação das formas atípicas de trabalho. Nos “tempos modernos”, o fordismo era o modelo. Hoje: trabalhos sazonais, terceirização, home-office, etc.
a) Reconhecer o poliformismo. Mas Boaventura diz que poliformismo só é aceitável se gerar inclusão. Não pode ser uma nova forma de exclusão, nesse caso, configuraria o “fascismo contratual”.
b) Promoção da qualificação profissional, qualquer que seja o tipo e a duração do trabalho.
- III. Separação da economia produtiva da especulativa
Boaventura vê a necessidade de separação do trabalho produtivo (a economia real) do capitalismo financeiro (a economia de cassino).
O potencial destrutivo do capitalismo financeiro pode ser limitado por regulação internacional que imponha espaço e tempo (moratória?) que permita uma deliberação democrática que venha a defender os países da periferia da entrada da concorrência internacional de capitais e créditos.
Essa regulação é tão urgente quanto difícil, reconhece o autor. E propõe as seguintes medidas urgentes:
a) Perdão da dívida dos países mais pobres – desde 1993 que as transferências de países pobres e emergentes para o G-7 é maior do que as entradas de capitais.
b) Adoção do Imposto Tobin – A prosposta, de taxar em 0,5% as transações financeiras, é de James Tobin, feita em 1972 quando ocorreu o colapso de Bretton Woods.
- IV. A redescoberta democrática do sindicalismo
Será tratada abaixo.
TESES PARA A REINVENÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL
Boaventura apresenta os caminhos de análise e superação da crise do sindicalismo.
Futuro Incerto
O futuro do sindicalismo é incerto, como todo o resto nas sociedades capitalistas dessa transição de séculos. Há quem preveja o fim do ciclo do sindicalismo. Mas Boaventura lembra que o ciclo vital do sindicalismo está ligado ao do capitalismo. Enquanto não se descortinar a morte do capitalismo, não parece provável que se possa assistir à morte do sindicalismo.
Natureza Global
Os problemas com que se debate o movimento sindical são de natureza global, embora assumam traços proprios em cada sociedade.
O movimento sindical emergiu da década de 1980 nos países centrais no meio de três crises distintas e interligadas:
1 – Crise da capacidade de agregação de interesses por conta da desagregação da classe operária, da descentralização da produção, da precarização da relação salacial e da segmentação dos mercados de trabalho.
2 – Crise da lealdade dos seus militantes, que levou ao desinteresse da ação sindical.
3 – Crise da representatividade, resultante dos processos que originaram as outras crises.
(Periodicização proposta não se aplica aos casos de Portugal e dos países periféricos e semi-periféricos, como o Brasil. No caso de Portugal, o movimento viveu na clandestinidade até a Revolução dos Cravos. Hoje atravessa uma crise singular, com o movimento sindical dividido entre os militantes ligados ao PC e ao PS, e mergulhado numa crise de indentidade dada a inserção do pais na União Europeia).
- Dessincronia entre movimentos Europeu e periférico
A desincronia entre o movimento sindical periférico e semi-periférico, de um lado, e o Europeu, de outro, não é resolúvel a curto prazo.
Na Europa é comum se dizer que a reestruturação industrial e a terceirização da economia já estariam completados, e que o enfraquecimento que ela provocou no movimento sindical já teria atingido seu ponto mais fundo. No países periférificos e semi, contudo, nada nos garante que isso já tenha ocorrido.
No caso de Portugal, as incertezas são tamanhas que pode vir a atingir até a identidade do interlocutor, o empresariado ou o Estado. Mas chega-se a discutir se vai haver industrias no pais, ou seja, se haverá empresariado?
Conclusão: é preferível que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa. Até porque, se não o fizer, acabará por ser questionado a partir de fora, por forças sociais e politicas que lhe são hostis. Que seja agressivo e criatrivo nas suas propostas e que, aproveitando as inseguranças presentes, que também atinge o empresariado, assuma uma estratégia dominada pela lógica na “guerra de movimento” – e não uma “guerra de posição”, defensiva. É a estratégia mais difícil, mas é a mais promissora.
- Sindicalismo consolidado dentro das sociedades nacionais
Há uma dupla e contraditória pressão desestruturadora. A pressão das exigências locais e localizantes, por um lado, e a pressão das exigências transnacionais e transnacionalizantes, por outro.
Os patronato e os governos partem para negociações coletivas ancorados em politicas econômicas internacionais, cuja propostas refletem a globalização dos capitais, obedecendo a lógica dos mercados interligados e quadros de escala global. Enquanto os trabalhadores discutem em estrito quadro nacional.
A desproporção das forças é abissal. Todos os governos apresentam as mesmas açôes: contenção ou redução da massa salarial, segmentaçºao e flexibilização do mercado de trabalho; desmantelamento das aquisiçoes do Estado-Providência, impulso privatizante. (Consenso de Washington).
Essa tendência não é passageira e exige dos trabalhadores respostas *à altura do que está em jogo. O sindicalismo tem que se inserir no contexto dessa nova escala econonica.
Relações no espaço de produção
O autor apresenta dois tipos de relação:
1 – As relações DE PRODUÇÃO contratualmente estabelecidas entre o trababalho e o capital.
2 – As relações NA PRODUÇÃO que governam o trabalho concreto realizado pelos trabalhadores durante o dia de trabalho. Ou seja, as relações com os supervisores e gerentes. Relaciona-se à “cultura da empresa”.
As relações são indissociáveis mas têm logicas distintas. A flexibilização das relações DE PRODUÇÃO significa necessariamente a precarização da relação salarial. É negativa. Já a flexibilização das relaçºoes NA PRODUÇÃO é positiva e está ligada à qualidade de vida.
Apresenta um novo vetor. Os sindicatos costumam se ater as relações DE produção. Deixando para as comissões de trabalhadores as relaçºoes NA produção.
- Alterações profundas entre as relações DE e NA produção
As transformações economicas globais estão alterando profundamento as relações DE produçao, NA produção e, sobretudo, entre umas e outras.
Eis algumas dessas transformações:
A transnacionalização da economia convertem as economias nacionais em economias locais de dificultam os mecanismos de regulação nacional.
- Aumento do desemprego estrutural, agravado pelo processo de crise do Estado-Providência nos paises centrais e pelo enfraquecimento das politicas sociais.
- envolvimento de uma cultura de massas dominada pela ideologia consumista que têm gerado endividamento nas familias.
Estas transformações são vastas e heterogêneas. Impossivel prever o impacto nas relações de produção e nas relações na produção, apesar de pressupor que venha a ser significativo. Contudo, as seguintes ocorrencias parecem mais prováveis:
1 – Relações de produção cadas vez mais instaveis, precárias e dificeis de regular a nivel nacional. Serão cada vez mais importantes as regulações locais e transnacionais. Significa que a estabilidade minima da vida de vastas camadas sociais terá que ser obtida por mecanismos politicos diretos (como o rendimento familiar minimo).
2 – Quanto mais instaveis e precárias forem as relações DE produção, maios a experiencia laboral será dominada pelas relações NA produção. Por outro lado, quanto mais a economia for dominada pelas multis, maior será a necessidade de articular as reivindicaçoes locais com as reivindicações transnacionais. Ou mesmo o nivel da empresa. Se as comissoes de trabalhadores funcionarem em rede transnacional terão mais força.
3 – A experiencia de trabalho enquanto pratica da vida será cada vez mnais desvalorizada enquanto cultura e ideologia. Deverá haver uma transferencia da identidade do operário para a identidade cidadão em luta contra a exclusão social, em movimentos como o de consumidores, culturais, ambientais. “Isso significa valorizar o que de melhor a cultura operaria produziu: uma ambição de cidadania partilhavel por toda a sociedade”.
Consequencia, entre outras: a articulação sindical com os movimentos sociais progressitas, dando corpo ao “novo sindicalismo social”, ou “sindicato cidadão”, ou “sindicalismo de movimento social”.
Relações entre partidos e sindicatos
As relaçoes têm raizes históricas profundas, mas que variam de pais para pais. Em geral, os partidos continuam a ver os sindicatos como zona de influencia.
Portugal, PC » CGTP-IN
PS » UGT
Brasil – PT» CUT
PDT» Força
É urgente o fim das relações privilegiadas entre os sindicatos e os partidos. Quanto mais tarde, pior para os sindicatos. É exigido pela novas condições de luta sindical que separam o objetivo de civilizar o capitalismo e o objetivo de construir o socialismo civilizacional.
Para civilizar o capitalismo, sindicatos enfrentarão a luta, mas terão que agir agora total com autonomia em relação aos partidos.
A refundação dos sindicatos terá que ser mais profunda do que a dos partidos.
A complementariedade entre constatação e participação
O novo sindicalismo tem que ser pragmaticamente de contetação e de participação. Isso pressupõe a união operacional entre do movimento sindical, entre as correntes que defendem o sindicalismo de contestação e de participação. A melhor estratégia é a que mistrua (calibra) doses diferentes constestação e participação.
Compromisso com os trabalhadores e com a democracia
O compromisso político dos sindicatos é com os trabalhadores e a democracia. Porque os trabalhadores são menos cidadaos de sua empresa do que são de seu pais, a democracia representativa é para eles uma experiencia limitada e frustrante. Os sindicatos, portanto, têm que praticar simultaneamente a democracia representativa e a participativa.
Desafio global e as oportunidades
O movimento sindical está perante um desafio global e as oportunidades poara vencer não são menores do que as de ser vencido por ele.
Desafio da solidariedade – Movimento sindical tem que revalorizar e reinventar a tradição solidarista, de modo a desenhar um novo arco de solidariedade, mais ampla o mais arrojado, mais de acordo com as novas condições da exclusão social. Há hoje multiplas discriminações na selação das carreiras. Um sindicalismo de mensagem integrada e alternativa civilizacional, onde tudo liga com tudo: trabalho e meio ambiente, trabalho e educação, trabalho e fminismo, trabalho e cultura, trabalho e terceira idade, etc. Trata-se, no fundo, de um autentico sindicalismo-cidadão..
Desafio da unidade – Na luta pelo socialismo civilizacional, o movimento sindical é apenas um entre muitos outros movimentos, e não será sequer o mais importante. Se a concertação sindical é um imperativo presente, a fusão só será possivel com a próxima geração. A unidade não é um valor em si mesmo. Só faz sentido onde o capital quer ver os trabalhadores divididos, ou seja, na concertação social e na negociação coletiva.
Desafio da escala organizativa – O capital vem se desembaraçando da escala nacional para entrar na global com muito mais facilidade do que o sindicalismo. Ademais, em paralelo à globalização, tem o processo de criação de mercados regionais, como a EU, criando nova escala organizativa e com suas respectivas legislaçºoes, incluindo a laboral. Se a escala organizativa regional pode ser considerada preferencial para a intervenção sindical, não é menos verdade que o mov sindical terá de se reestruturar profundamente de modo a apropriar-se da escala local e da escala transnacional. Não basta pensar globalmente para agir localmente. É igualmente necessário pensar localmente para agir globalmente.
Desafio da lógica organizativa – O coletivo dos trabalhadores está social e culturalmente isolado. Quanto maior o isolamento, maior é a predisposição para criar sentimentos de desconfiança. É preciso desenhar estratégias para premiar os sindicalistas mais ativos em vez dos sindicalistas mais dóceis perante às direções. É necessário um sindicalismo de base, radicalmente democrático onde o peso dos aparelhos nos processos de decisão seja drasticamente limitado e os processos de decisão coletiva usem todas as formas de democracia.
Desafio da Lógica reivindicativa – O sindicalismo já foi mais movimento do que instituição. Hoje é mais instituição do que movimento. Corre o risco de se esvaziar se não se reforçar como movimento. A flexibilização das relações De trabalho e NO trabalho é um dos desafios, como já visto. Há necessidade de pragmatismo cada vez maior.A ação reivindicatória não pode deixar de fora nada que afete a vida dos trabalhadores. Além de olhar para questões como desenvolvimento regional, formação profissional, tem que se movimentar também em questões como transportes, saúde, consumo e qualidade do meio ambiente.
Desafio da cultura sindical – Sua história, rica e nobre, continua a pesar no movimento sindical. Mas os tempos mudaram. O trabalhador de hoje está menos interessado em eliminar o patrão do que força-lo a agir de modo a que dignifique o trabalho. Os trabalhadores são cidadaos e os sindicatos só farão jus às suas preocupações e aspirações se os reconhecerem acima de tudo pelo seu estatuto de cidadaos. Para isso, a cultura sindical terá que mudar. Sem renunciar à história, é preciso substituir uma cultura obreirista, que associa o progresso ao crescimento do PIB, por uma cultura democrática de cidadania ativa para além da fábrica.
Estas parecem ser as receitas para o exito nos momentos difíceis que se avizinham.